terça-feira, 15 de junho de 2010

Sobre a copa.

Novamente chega a única época na qual o povo brasileiro torna-se nacionalista ufanista. Ruas pintadas, bandeiras penduradas, muito barulho e festa. Existe apenas o futebol, nada mais importa. O país para. E muita gente odeia isso.

Sinceramente, eu concordo com os que dizem que o país não deveria parar por causa da copa do mundo. É o evento mais importante do esporte mais importante para muitos, mas não é mais que isso, um esporte. Mas eu mentiria se dissesse que não entendo o porque dessa loucura coletiva.

O povo brasileiro sofre do mal crônico do descaso dos responsáveis pelo seu bem-estar desde sempre. Isso, combinado à letargia política da massa, torna a condição dessa ainda mais alienada dos seus direitos básicos. Massacra-se, humilha-se, destrói-se o povo e aniquila-se suas perspectivas. O resultado disso é um dócil rebanho, facilmente guiado.

Mas mesmo rebanho tem uma ponta de orgulho, uma vontade de realização. Eis que entra em cena a válvula de escape perfeita: a copa. O ufanismo só funciona como tal pois não há alternativa. Se não há mais nada do que se orgulhar, que todo o orgulho de ser brasileiro se projete no futebol. Ter "a melhor seleção do mundo" não é exatamente o motivo ideal para se orgulhar. Quisera que nosso orgulho fossem as excelente condições de vida do povo ou a sólida e independente economia do país, mas pelos motivos descritos acima, não são, infelizmente. O orgulho desse futebol campeão é infantil, até, mas jamais idiota. Não há idiotice em orgulhar de ser o que é pelas realizações de seus compatriotas.

A vida não para por causa da copa. Os políticos brasileiros continuam corruptos e nossos sistemas educacional e de saúde pública continuam tendo vários problemas graves. Mas esta época é a única em que é permitido ao brasileiro levantar-se e declarar-se como melhor do mundo. É um sentimento único, revigorante, como se nada mais importasse por um instante. Essa alegria, embora fútil, é necessária. Pois para o caído, há de haver uma pequena alegria ou entrará no desespero máximo. E o desesperado não muda o mundo ao seu redor, engole-o como tempero de suas amarguras e jamais se ergue contra o que o orpime. Creio que enquanto há alegria, há esperança de mudança. Portanto, condene-se a letargia do povo, mas nunca a sua alegria.

2 comentários:

  1. Segundo a Fifa, segundo melhor do mundo.
    Nem isso a gente tem, mas que droga!

    ResponderExcluir
  2. Duvido que alguém discorde de tudo isso. Só que o problema mesmo é que todo mundo esquece tudo o que há de errado enquanto está tomado pelo ufanismo. É assim que os manda-chuvas daqui usam a Copa do Mundo: propaganda da ditadura em 1970, fazer o povo esquecer do mensalão com a esperança do hexa... Esses são só os 2 exemplos mais presentes na minha fraca memória, mas não são os únicos. Já notaram que, dentre todas as combinações possíveis de seqüência de épocas eleitorais, escolheram justamente aquela em que a Copa do Mundo é sempre logo antes das eleições presidenciais, por questão de meses?

    Então eu diria que essa alegria é o que justamente faz o rebanho se acomodar, não se revoltar e deixar tudo como está. Típico; para quê mexer em time que está ganhando? Para quê fazer qualquer coisa se fazendo nada e aproveitando um Estado pseudo-paternalista se consegue viver, ainda que beirando a miséria??

    Aqui a Copa do Mundo é o Circo e os bolsa-miséria são o Pão. Pão-e-Circo; nada de novo, na verdade. Explico o "pseudo-paternalista": dizem que programas como esses de Bolsa-X são paternalistas por terem uma idéia do tipo dar o peixe ao invés de ensinar a pescar; acho que nem isso, penso que é só para inglês ver e que na real em muitas regiões o Estado nem sequer chega, daí o espaço enorme que existe para o poder paralelo das favelas e essa situação de ciclo vicioso da qual as pessoas não conseguem sair e que faz esses programas, por si só, parecerem solução.

    The Latin Lover diria aqui, como sempre, sua frase célebre: uma coisa não exclui a outra. Que poderíamos ter os programas além das reformas low-level, que são o realmente trabalhoso. Isso sim. Mas alguém mais consegue ver porquê essas reformas nunca vão acontecer? E esses programas sozinhos mal são paliativos. São evasivos mesmo.

    Ah, e além disso, quando não conseguem usar a Copa do Mundo (ou o carnaval, que tem todo ano) usam alguma coisa aleatória, a exemplo de um plebiscito nada-a-ver sobre um tema polêmico qualquer, uma idéia que aparece surpreendentemente no mesmo momento da confusão. Que conveniente. "Oops, desviamos a atenção do rebanho! Como estamos desastrados hoje.". E ainda por cima colocam uma pergunta negativa com resposta "sim" e "não" para um povo que está acostumado a dizer "não fazer nada" quando quer dizer "fazer nada".

    Não estou dizendo que não devemos celebrar o fato de sermos bons em alguma coisa; só digo que o que fazem aqui é simplesmente esquecer todo o resto, que esse exagero nos atrasa. Também não disse que esses programas de Bolsa-sei-lá-o-quê do governo são necessariamente ruins; o governo inclusive mostra estatísticas convenientemente quantitativas tentando provar que os programas melhoram a vida do brasileiro. O que eu questiono é se a longo prazo melhoram mesmo, mais do que, por exemplo, educação decente e democrática, ou se só contribuem para controlar o rebanho e fingir que está tudo bem.

    Bottom line is: concordo que se deve condenar a letargia. Mas minha opinião é que a alegria deve ser encarada com espírito crítico; em sua essência realmente não há o que condenar, mas o exagero dela, sim. O que é, o que é: o que acontece se eu não sair correndo depois de dizer que, com as atuais e de sempre circunstâncias, o Brasil acaba ganhando mais como país no final das contas se... Perder a copa...? FUI!

    ---------------
    Raf32

    ResponderExcluir